Nestes tempos de pandemia alguns fatos, com certeza, acabam nos sendo úteis e importantes. No meu caso, pessoalmente, um fato me chamou a atenção: a postura da médica Dra. Nise Yamaguchi, de Curitiba, em relação à epidemia do coronavírus no Brasil.
Em resposta ao epidemiologista e infectologista Dr. Carlos M. Fortaleza com muitas críticas aos depoimentos dela sobre o coronavírus, numa entrevista a um site de notícias (UOL), ela publicou uma carta com seus pensamentos.
O texto a seguir é uma reprodução da carta da Dra. Nise:
CARTA DA DRA. NISE YAMAGUCHI
“Considero este momento crítico que nós
vivemos, de profunda reflexão, com toda a dificuldade dos sistemas de saúde
públicos de contemplarem os atendimentos dos pacientes graves, dentro da crise
mundial. Temos também uma crise de credibilidade dos estudos da
hidroxicloroquina e cloroquina, sendo publicados em grandes revistas médicas,
procurando evidências substanciais criadas em plataformas pseudo-tecnológicas
que buscam alavancar ações de absoluta inconsistência e detrimentais à vida
humana.
Aqueles que acreditam que o tratamento deva
ser precoce com hidroxicloroquina, azitromicina e zinco do COVID-19, para
combater a fase inicial de replicação viral, objetivam diminuir em 95% ou mais,
a chance dos pacientes irem para a UTI e serem entubados, em sofrimento
desnecessário. Outros que não acreditam, chegam a dizer que não se deve fazer
nada, já que em estudos criados para demonstrarem a toxicidade de medicamento
semelhante, a cloroquina usada em dose absurda, de 4,4 vezes o que seria a dose
mais baixa no estudo do Amazonas, causaram arritmias fatais. Criou-se uma
espécie de pandemia do medo, de problemas cardíacos graves, com uma classe de
medicamentos que é usada há mais de 70 anos, em mais de bilhões de doses no
mundo nas infecções por malária e doenças autoimunes e que eram considerados
medicamentos essenciais da própria Organização Mundial da Saúde, e que agora
prioriza o protocolo com medicamentos caros endovenosos nas suas pesquisas.
A revista Lancet que lançou um resultado
organizado por uma companhia sem histórico de pesquisas destas proporções, e
que culminou na proibição de estudos de hidroxicloroquina no Reino Unido, França
e Bélgica, está sendo duramente questionada pela metodologia incerta, de fontes
não seguras, e análise questionável de dados eletrônicos obtidos de forma não
transparente, sem consentimento ético conhecido até o momento. Este estudo
avaliou 96.032 pacientes de cinco continentes, onde 14.888 pacientes teriam
sido tratados e teria demonstrado a toxicidade da hidroxicloroquina e mais
risco de arritmia. O que chamou a atenção é a forma como houve a distribuição
entre os continentes, muito homogênea, com dados incompletos de quanto tempo as
pessoas teriam tomado as medicações, por que tomaram e o braço controle, por
que não tomou. Também havia um percentual de pacientes semelhantes no apêndice
3, de pacientes fumantes nos cinco continentes, assim como de hipertensos, e de
uso de estatinas, inclusive na África, que deveria diferir completamente do
número de pacientes que fumam da Ásia ou da Europa. Isto e outros desatinos
estatísticos estão levantando questões no mundo inteiro.
O que nos perguntamos é: por que um
medicamento sem custo, de ação principalmente nas fases iniciais e talvez
preventiva, vem sofrendo tanto escrutínio e tantos ataques violentos? Imagino
eu que deva ser muito eficiente e que possa fazer a inversão da curva da
pandemia. Pelo menos é isto que tem sido visto em diversos convênios médicos
que já adotaram esta estratégia de tratamento precoce e têm os seus centros de
terapia intensiva se esvaziando e dando espaço para que cirurgias de câncer e
de doenças importantes de serem tratadas também possam ser realizadas em meio a
este momento importante da história da humanidade.
Também parece que todos que
chegam com alguma solução para esta crise são alçados imediatamente a
candidatos ao posto executivo de Ministro da Saúde. Em primeiro lugar, este é
um lugar que cabe aos fortes, que possam sofrer incessantemente aos ataques de
todos que almejam o cargo, e também de toda a torcida de diversos matizes, pois
existe um nexo destrutivo das reputações e dos objetivos mais profundos de se
tentar melhorar a saúde como um todo, de fazer a interlocução com as diversas
camadas sociais e as organizações que são o sustentáculo do Sistema Único de
Saúde. Cabe pouco espaço para o amor e a consideração à dor de todos os que
sofrem diuturnamente com um sistema insuficiente, para a maioria das doenças
agudas e crônicas deste país. Além disto, também não se considera a importância
do Brasil como referência mundial dentro do maior sistema universal de saúde
pública do mundo, com números invejáveis de transplantes de medula, de fígado,
de rim e até de coração e de pulmão. E que, nesta pandemia, tem a chance de mudar
totalmente a evolução da doença, tratando precocemente os pacientes com
COVID-19.
Ainda temos tempo de sermos um exemplo de
civilidade e de humanidade, onde os objetivos individuais, econômicos ou
partidários sejam colocados a serviço de um bem maior, a vida. Para que o mundo
acorde um pouco melhor desta pandemia, onde percebamos que o que
verdadeiramente importa é invisível aos olhos, de que o respeito à trajetória
individual possa se voltar para o bem do todo. Possamos ser sábios e corajosos,
para podermos reconstruir um país que necessita do esforço conjunto de todos
nós, dentro de uma unidade que faz uma Nação crescer. Que o conhecimento possa
ser verdadeiro e nobre, sendo utilizado para a cura do COVID e dos caminhos
para o futuro dos nossos descendentes.”
Realmente, ainda que eu não saiba a opinião do prezado leitor, acho que concordará comigo que considero a postura da Dra. Nise extremamente humana e preocupada com a população carente. Essa é uma postura que não estamos vendo nos dirigentes dos Estados, Municípios e de determinados políticos aqui no Brasil.
Vamos em frente, torcendo para que passe logo esse tempo de isolamento e que, apesar do coronavírus, consigamos voltar à normalidade.
Eli dos Reis,
de Ribeirão Preto, SP.
Nise Yamaguchi é médica com mestrado em Imunologia e doutorado em Pneumologia pela Faculdade de Medicina da USP, diretora da Associação Brasileira de Mulheres Médicas e presidente do XXII Congresso Brasileiro de Cancerologia 2020.
Veja matéria publicada
pelo jornalista Diogo Schelp na sua
Coluna no UOL, no endereço